O Burnout como consequência da falta de reinvenção do formato de trabalho

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Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados

Até o começo de 2020, o teletrabalho parecia algo distante da maioria dos profissionais no Brasil. Com a chegada da pandemia, as companhias foram obrigadas a buscar alternativas para continuar funcionando e muitas delas adotaram o trabalho remoto, inclusive contratando profissionais em outras cidades ou até países. Agora, com o fim das restrições e necessidade de uso de máscara, a retomada ao trabalho presencial tem acontecido, também, de maneira brusca, gerando muita insegurança e uma enorme carga emocional aos colaboradores em geral.

Ademais, durante a pandemia, pressão emocional, crise financeira de muitas empresas e transformação do mercado, geraram uma insegurança para quem faz parte dessas organizações. O excesso de pressão tem a mesma raiz. O discurso nas corporações é que “precisamos mudar, nos reinventar, criar coisas novas imediatamente”. É tudo para ontem. E isso leva ao ponto de falta de reconhecimento profissional. Porque ao mesmo tempo em que existe o estresse e a pressão por inovar, os colaboradores não estão sendo reconhecidos.

Uma coisa importante para observar, nesse período, é a transformação na compreensão das pessoas sobre o que é o trabalho, qual é a troca, qual é o limite. Até que ponto os colaboradores estão dispostos a se esforçar, vestir a camisa das empresas e chegar a situações extremas de síndrome de burnout por uma corporação que aparentemente não enxerga os colaboradores, nem a falta de uma cultura positiva.

Uma cultura tóxica não mora apenas no assédio moral, no excesso de horas. Está no “chefe” que não xinga, mas não olha e nem fala com os colaboradores. Na empresa que não dá voz para que seus funcionários opinem sobre os caminhos do próprio trabalho. Na cultura que despersonaliza o indivíduo e privilegia ainda mais aqueles que já são privilegiados.

É importante reforçar que burnout não é apenas um cansaço, é um esgotamento de recursos psicológicos. Está ligado ao indivíduo e, também, às empresas, ou seja, está correlacionado diretamente com a cultura organizacional e sobre o papel das lideranças.

O líder deve fazer a gestão da entrega. Esse é seu papel principal. Para alguns “chefes”, foi um enorme desafio trocar a sensação – ilusória, que fique claro – de controle das pessoas pelo controle do resultado. Muitos “chefes” trabalhavam na base de ver a pessoa no escritório e sentir que ela está trabalhando, quando poderia estar fazendo compras, no whatsapp ou perdida em pensamentos.

Não ver o time todos os dias trouxe uma insegurança para esses “chefes” que passaram a buscar esse controle sobre o tempo do outro de formas muito invasivas, como pedindo para as pessoas deixarem a câmera do computador aberta, utilizando softwares de vigilância, enviando mensagens e exigindo respostas imediatas. Tristemente, esta é a consequência de existirem muitos “chefes” e poucos “líderes” nas empresas, sejam elas nacionais ou internacionais, pois os “chefes” ainda acreditam no ditado popular brasileiro que diz “É o olho do dono que engorda o gado”.

O papel de uma real liderança é fundamental para mudar este triste desenho que se formou em relação ao formato de trabalho e o ambiente que as empresas devem prover para que seus colaboradores possam realmente se sentir mais confiantes e produtivos. O primeiro passo seria reconhecer que existe um problema na cultura organizacional da empresa e realmente tomar as providencias cabíveis para chegar à causa raiz.

Não é uma jornada fácil, principalmente, se a causa raiz do problema for a própria Alta Direção ou até o presidente da empresa. Decisões difíceis deverão ser tomadas, sob pena da organização vir a sofrer alto turnover, afastamentos ocasionados por doenças mentais e burnout, denúncias junto ao Ministério Público do Trabalho, enormes quantidades de ações trabalhistas e, por fim, a crise reputacional que fatalmente deve acontecer, pois no mundo atual, as mídias sociais são utilizadas como instrumentos de denúncias, desabafos e de comentários negativos sobre empresas.

Sendo assim, a formato de trabalho está em pleno processo de reinvenção.  O papel da liderança deve ser no sentido de buscar nos colaboradores suas opiniões e realmente ouvir as necessidades deles. A produtividade somente aumentou com o trabalho remoto, trata-se de uma falácia quem fala ao contrário. A questão é chegar em um ponto de equilíbrio entre empresas e trabalhadores no qual ambas as partes definam conjuntamente o modelo de trabalho a ser utilizado, onde as trocas sejam justas, respeitosas e, principalmente, saudáveis física e mentalmente para todos.

Patricia Punder – Advogada é compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da FIA e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020. Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patrícia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil). www.punder.adv.br.

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