Cultura do litígio aumenta os custos do Judiciário e lota os tribunais com milhões de processos

Em live sobre conciliação, presidente da ANDES alertou que sistema judiciário pode colapsar se não houver mudanças

É preciso mudar a cultura do litígio no Brasil. Essa é a avaliação do presidente da Associação Nacional de Desembargadores (ANDES), Marcelo Buhatem, e do desembargador Werson Rêgo, da 25ª Câmara Cível Consumidor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Durante a live sobre Conciliação promovida pela ANDES, nesta quinta-feira, no Instagram, ambos concordaram que há um entendimento da sociedade de que apenas ações judiciais podem garantir o direito à Justiça. Como consequência, o Judiciário enfrenta o desafio de ter que atender mais de 78 milhões de processos, além de inflar os custos de um setor que já sofre com a falta de recursos.

“Um processo no Brasil custa entre R$ 3.500 e R$ 4.300. Se nada for feito e a demanda continuar crescendo, não haverá recursos suficientes para que o judiciário atenda todos os processos. Haverá um colapso de todo o Sistema”, alertou o presidente da ANDES.

A solução, na avaliação dos dois, é fazer com que a população entenda que há meios adequados de prestação de justiça, além do próprio judiciário, que deveria ser a utilizado para pacificar conflito de interesses que não pudessem ser resolvidos pelos métodos extrajudiciais. “Há um sentimento de litigiosidade muito grande e a sociedade foi estimulada a isso. O estado, por muito tempo, exerceu um papel paternalista e não ajudou a desenvolver um senso de responsabilidade no cidadão”, ponderou o desembargador.

O presidente da ANDES apontou que a solução através do diálogo também traz benefícios para as partes, como economia de tempo e dinheiro, já que serão menos gastos com honorários dos advogados e com as custas judiciais, além de um menor desgaste emocional. “Incentivar a resolução de conflitos por métodos extrajudiciais é salutar para o sistema judiciário e para toda a sociedade”, afirmou Buhatem, que defendeu a proposta de estabelecer como condição para processos de menor complexidade, de até 40 salários mínimos, que o autor prove que tentou primeiro uma solução extrajudicial com quem provocou o prejuízo.

O desembargador da 25ª Câmara Cível lembrou o caso de um processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal que se tratava de uma cobrança de R$ 300. Esse julgamento, na mais alta corte do país, é uma demonstração de como os tribunais são demandados por conflitos que deveriam ser resolvidos extrajudicialmente. Werson avalia que seria fundamental que o juiz, quando houvesse a petição inicial, questionasse se houve tentativa comprovada de se resolver a situação antes de judicializar. Ele citou como exemplo a própria Câmara em que atua.

O desembargador explicou que a 25ª Câmara Cível se apoia na teoria do desvio produtivo do consumidor, que é exatamente o reconhecimento de que a tentativa da parte de resolver o problema diretamente com o fornecedor, quando infrutífera por descaso do fornecedor, ao ser levada ao judiciário, merece uma compensação autônoma. “A perda de tempo do consumidor para resolver a situação extrajudicialmente é causa eficiente de um dano de natureza extrapatrimonial, então o juiz vai lá e penaliza aquele fornecedor que deveria ter sido eficiente na solução do problema”, explicou.

Por outro lado, quando não há nenhuma evidência de que o consumidor procurou resolver o problema diretamente com o fornecedor, não sendo o caso de atingimentos de atributos da sua personalidade, a Câmara entende que não há dano moral. “É uma maneira objetiva que encontramos para mostrar que queremos estimular a solução extrajudicial”, destacou.

Ambos também destacaram que o advogado tem um papel fundamental para essa mudança de cultura. Entretanto, Werson observou que ainda há uma deficiência na formação dos profissionais de Direito, pois faz pouco tempo em que as universidades passaram a inserir nos currículos os métodos extrajudiciais de resolução de conflito. O desembargador lembrou que a ideia transmitida era a de competição nos tribunais, em que os advogados seriam adversário e um deveria vencer o outro. “Agora, o advogado está aprendendo que é um facilitador do diálogo, que ele faz parte do Sistema de Justiça e que também precisa contribuir para que se tenha uma sociedade harmonizada e pacificada”, explicou.

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